Por que "aprender com os nossos erros" é algo muito mais difícil do que parece
- Daniel Deggerone
- 27 de out. de 2024
- 5 min de leitura
"O primeiro princípio é que você não deve se enganar - e que você é a pessoa mais fácil de se enganar"
Richard Feynman
Todos nós, sem exceção, são tapeados e enganados todos dias.
Os praticantes desses delitos não são políticos corruptos ou pilantras no Whatsapp.
O meliante autor destas traquinagens é o nosso próprio pensamento. O golpista que existe em nossas próprias cabeças.
A mente humana é uma enganadora muito astuta. Cada um de nós possui uma capacidade infinita de espremer a nossa percepção da realidade em algo muito mais agradável ao nosso paladar.
EXEMPLO TUPINIQUIM
Sua opinião antes de uma partida entre o seu time e o principal rival:
"3x0. Vai ser uma lavada"
Resultado final:
1 X 2
Depois da derrota - uma evidência incontestável do seu erro - sua mente vai recontar a história de uma forma mais agradável.
Ao invés de ela trazer à sua consciência pensamentos que evidenciem o seu erro, ela vai recontar tudo de um jeitinho mais generoso, mais cor-de-rosa.
"O nosso time estava com vários desfalques. Jogamos no meio da semana também.
O gramado estava muito ruim, a partida nem deveria ter começado.
Aquela expulsão foi um roubo.
Tiveram dois pênaltis não marcados.
Aquele juiz deveria ir para a cadeia.
Como assim só 25 minutos de acréscimo no segundo tempo?
Você se lembra que eu tinha falado que o placar seria apertada e que vocês eram os favoritos???
Você viu aquela borboleta que distraiu o nosso goleiro bem na hora do escanteio? Se não fosse por ela, teríamos ganhado."
E a coisa segue… segue… e segue…
POR QUE ISSO É IMPORTANTE: Toda vez que você ouvir "é necessário aprender com os nossos próprios erros" entenda que 99,99% das pessoas não percebem que existe uma briga de rua - com dedo no olho, chute no saco e mordida na orelha - sendo travada, até o fim dos nossos dias, entre o nosso próprio pensamento e a realidade.
O nosso pensamento NÃO quer nos mostrar:
Que nós erramos
Que escolhemos mal
Que tomamos uma decisão estúpida
Que jogamos dinheiro fora
Que a culpa foi, sim, toda nossa
Aprender com os nossos próprios erros é uma das tarefas mais difíceis que podemos nos candidatar a fazer.
A cada segundo será necessário confrontar aquilo que brota nas nossas cabeças, que são as justificativas fantasiosas para os nossos "crimes".
"Ninguém pensa que está errado, mesmo quando está. As pessoas pensam que estão certas, quando estão apenas enganadas. Do contrário, não pensariam assim!"
Ryan Holiday e Stephen Hanselman, Diário Estoico
Um evento absolutamente histórico - e que nunca ninguém ouviu falar - serviu para catapultar o conhecimento a respeito da nossa capacidade mental ilimitada de construir racionalizações e justificativas fraudulentas.
O psicólogo social Leon Festinger e dois seus colegas se infiltraram em uma seita que acreditava que o mundo iria acabar em 21 de dezembro de 1954.
O pesquisador esperava - e torcia - que o mundo não acabasse.
Após o "não apocalipse", Festinger iria estudar o que esta falha incontestável de previsão iria causar nas crenças das pessoas envolvidas.
PANO DE FUNDO: Se você tem certeza absoluta que o mundo vai acabar ao ponto de largar o seu emprego, vender a sua casa e se desfazer de todo o seu dinheiro, o que acontece quando ele - o mundo - não acaba?
Para nossa alegria, o mundo não acabou, mas a convicção dos seguidores nas palavras de Marian Keech, a líder do grupo, também não.
A certeza anterior sofreu apenas uma mudança de embalagem. Os seguidores passaram a ter certeza que o mundo SÓ NÃO HAVIA ACABADO por causa daquele enorme esforço devotado pelo grupo.
O que é mais fácil para as nossas mentes aceitar?
Assumir que agimos feito uns tolos ao confiar nas palavras de uma lunática completa?
OU
Pensar que o mundo inteiro foi salvo pelas nossas próprias orações?
A sua mente tinha a certeza absoluta que algo iria acontecer.
Este algo não aconteceu.
Você vai se sentir mal e perceber que agiu feito um imbecíl? Não.
A sua mente vai construir uma ótima justificativa para permitir que você continue acreditando que é muito inteligente.
"A realidade é muito dolorosa para ser suportada, assim distorcemos os fatos até eles se tornarem mais toleráveis"
Charlie Munger, Poor Charlie's Almanack
A Dissonância Cognitiva é um funcionamento da mente humana - todas elas - que impede que idéias contrárias coexistam em uma mesma linha de pensamento.
Para uma continuar, a outra terá que desaparecer.
Se uma informação diz que você é muito talentoso, mas outra informação parece negar isto, uma destas duas irá sumir do mapa.
Aquela que "evapora", normalmente, é a menos "bonita" sobre nós.
"A teoria de Festinger é sobre como pessoas se debatem para achar sentido em idéias contraditórias e seguir levando as suas vidas, que, nas suas mentes, continuam cheias de consistência e significado"
Carol Tavris e Elliot Aronson - Mistakes Were Made (but no by me)
"A história mais poderosa do mundo é aquela que contamos a nós mesmos. A voz interior tem o poder de levá-lo adiante ou aprisioná-lo no passado. Escolha com sabedoria"
Shane Parrish - Clear Thinking
Impactos reais da Dissonância Cognitiva no cotidiano das nossas vidas
O exemplo extremo do culto apocalíptico torna a situação caricatural, mas o mesmo mecanismo atua em situações muito mais corriqueiras.
Talvez você se veja criando justificativas do porque colocou uma fortuna de dinheiro em uma oportunidade do mercado financeiro que "não tinha como dar errado".
Você perdeu tudo, mas deve ter encontrado alguma razão para limpar a barra com a sua consciência (e com a sua esposa).
Médicos e médicas realizam diagnósticos errados a todo momento, colocando a vida dos pacientes em risco, mas são muito hábeis em identificar fatores que "teriam interferido" na decisão, e, desse modo, acabando por se eximir da culpa.
Você está infeliz com a sua escolha profissional? Ao invés de encarar friamente que cometeu, sim, um gigantesco equívoco você pode montar historinha explicando que a culpa é dos seus pais, do governo, da posição de Saturno e do desânimo da sua tartaruga.
CONTO LENDÁRIO RELEVANTE: A Raposa e as Uvas
Uma raposa se depara com um vistoso e apetitoso cacho de uvas pendurado no galho mais alto de uma vinha.
A raposa tenta alcançar as uvas, sem sucesso.
Após diversas tentativas infrutíferas, ela finalmente desiste:
"Eu nem queria mesmo. Aquelas uvas nem estavam tão bonitas assim"
Dissonância gerada - uma destas versões terá que, obrigatoriamente, ser ignorada.
OU aquelas uvas não prestam
OU você não seria bom o suficiente para obtê-las. Elas seriam, de fato, maravilhosas
EM OUTRAS PALAVRAS: Espancar a realidade é mais fácil para nossas mentes do que continuar tentando ou assumir, de uma vez, nossas profundas deficiências. É mais fácil para nós menosprezar um objetivo difícil do que aceitar que, talvez, não sejamos bons o suficiente para atingi-lo.
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