O sistema de ensino baseado em aplausos
- Daniel Deggerone
- 3 de nov. de 2024
- 5 min de leitura
Em seu livro "Hidden Potential", Adam Grant esclarece um probleminha despercebido com o sistema de ensino voltado aos "aplausos".
Quando crianças e adolescentes são recompensados com boas notas e salvas de palmas de pais e professores por estas notas, os alunos logo aprendem a gostar dessa torcida toda aí.
Mas o que estes mesmos alunos não se dão conta - e as escolas e os pais também não - é que isso vai limitar grosseiramente os seus interesses.
Se uma pessoa é aplaudida por que tira 10 em matemática, mas é xingada porque vai mal em português ou em educação física, isso leva o aluno a focar somente naquilo que gera aplausos.
Assim, uma pessoa, ainda muito jovem, que não tem a menor noção do que quer na vida, passa a - inconscientemente - abrir mão de tudo o que a torcida em volta dela não a aplaude por estar realizando de maneira brilhante.
Talvez exista uma atividade que a pessoa apresente um grande contentamento em realizar, mas, como isso não gerou a salva de palmas proporcionadas em outras áreas, a pessoa acaba desistindo sem nem ao menos tentar direito.
Logo, logo a criança/adolescente foge de tudo aquilo que ela sabe que não vai "fazer muito bem" ou que não vai ser elogiada por fazer.
Se você gosta de jogar futebol, mas não recebe uma "nota" tão boa fazendo isso, você, inconscientemente, vai abrir mão dessa atividade em prol de outras que gerem "mais aplausos".
POR QUE ISSO É IMPORTANTE PRA CARALHO: esse mecanismo, logo muito cedo em nossas vidas, leva a pessoa a nunca tentar algo novo, algo diferente. A pessoa se concentra apenas nas poucas coisas que os outros a aplaudem por estar realizando muito bem, mas que ela nem sabe se deseja propriamente, abrindo, assim, mão de todo o resto.
Dessa forma, em nossos primeiros anos, já aprendemos a jogar "apenas pela torcida".
Esse é o passo inicial da ingrata e invencível luta em buscar validação pelos nossos comportamentos unicamente na opinião dos outros.
Jogos Finitos x Jogos Infinitos
Este é um dos capítulos da série "Coisas mais importantes da vida que nunca ninguém me disse nada a respeito".
Simon Sinek, em seu livro O Jogo Infinito, esclarece um conceito que eu tive a oportunidade de conhecer perto dos quarenta anos de vida, mas sinto que alguém deveria ter me falado isso antes de eu aprender a comer tatu do meu nariz (aprendi bem cedo a fazer isso).
Existem diferentes "jogos" que iremos nos dedicar durante as nossas vidas.
Não.
Não estou falando de Flamengo x Vasco, Corinthians x Palmeiras ou Grêmio x Inter.
Estou falando dos JOGOS FINITOS e os JOGOS INFINITOS, que TODOS NÓS, sem exceção, precisaremos jogar na vida, gostemos disso ou não.
JOGOS FINITOS
Todos os participantes são conhecidos e todas as regras são muito claras.
Os desfechos são determinados antes do início do "jogo".
Existe, SEMPRE, uma linha de chegada muito clara. Ela determina quem "venceu" e quem "perdeu".
Exemplos
A escola, o vestibular e a faculdade
Você conhece os seus "adversários"
Seus queridos coleguinhas e outros candidatos
Você sabe as regras
Estude para esta provinha, tire determinada nota, seja aprovado ou reprovado nela, avance para o próximo nível ou não.
Existe uma linha de chegada muita clara
O "fim' da escola
A "aprovação" no vestibular
A formatura na faculdade
Você conseguiu se formar?
Sim?
Vitória
Não?
Derrota
JOGOS INFINITOS
Não sabemos mais quem são todos os participantes deste "jogo"
Qual seria a pessoa mais adequada para você se casar dentre as oito bilhões de pessoas que andam por aí?
Qual seria a melhor profissão para você entre as dezenas que você conhece, as centenas que você desconhece e as milhares que ainda vão surgir e desaparecer nos próximos anos?
Desconhecemos, quase que completamente, as regras envolvidas aqui
Como prosperar na Medicina?
Como ser feliz na Medicina?
Como chegamos à vida que queremos?
Qual a melhor forma de ganharmos o nosso dinheiro?
Como podemos chegar ao final da vida sem nos arrepender amargamente dela?
Como? Onde está esse "manual de regras sobre a vida?"
Simplesmente, não existe uma "linha de chegada"
Ninguém “vence" na Medicina.
O seu sucesso atual pode ser destruído completamente no próximo ano, assim como o seu "fracasso" momentâneo pode se tornar algo bem sucedido em um futuro bem próximo.
Ninguém “vence” financeiramente.
Todas as fortunas que desapareceram em um piscar de olhos asseguram isso.
Nós não somos capazes de "vencer" ou "perder" na vida.
Ela é composta, basicamente, pelo ciclo alternado de bons e maus momentos, sucessos e fracassos, alegrias e tristezas.
Não há nota ao final dela.
Ninguém pode nos dizer se fomos aprovados ou reprovados ou que precisamos "repetir de ano".
A única "linha de chegada" é a morte, que ninguém sabe quando, onde ou como ela irá acontecer.
POR QUE ISSO É IMPORTANTE: Vivemos nossas vidas inteiras tentando GANHAR um jogo que NÃO PODE ser ganho, pois não há linha de chegada. Desde o início, quando entramos na escola - um JOGO FINITO - achamos que é possível VENCER na vida aplicando as regrinhas de um jogo FINITO no jogo INFINITO da vida.
Como desconhecemos essa diferença, ficamos criando "linhas de chegada ilusórias" para gerar a sensação delirante de "vitória" em jogos sem uma vitória possível.
Jogo INFINITO do sucesso profissional
"Linha de chegada" ILUSÓRIA
Se provado naquele vestibular
Se tornar médico
Se tornar cirurgião plástico
Ganhar "X" por mês
Seríamos "felizes" e teríamos "vencido" ao completar esse checklist aí
Jogo INFINITO no relacionamento afetivo
Linha de chegada ILUSÓRIA
Eu PRECISO casar com tal tipo de pessoa
Eu DEVO obter tal casamento, como todos os meus amigos e amigas tiveram.
Eu preciso viajar na lua de mel para aquele lugar.
Eu DEVO montar tal famíla, com X filhos até essa idade, assim como não sei quem que eu vi no Instagram
Caso tudo isso aconteça
VITÓRIA e "medalha no peito"
Caso não
DERROTA e "banho gelado no vestiário sem luz"
A felicidade sempre escondida atrás da "próxima conquista" ou evento aguardado por "uma vida inteira".
Finito X Infinito
A diferença parece não existir, mas ela é bem maior do que conseguimos imaginar.
RESUMO DA ÓPERA: Aquilo que eu e você fazemos para "ganhar" - sob as regras de um jogo finito - em um jogo INFINITO acaba por sabotar nossas chances de prosperidade neste último cenário. A miopia da busca por vitória em um jogo finito sequela o nosso contentamento no jogo infinito da vida.
Se eu quero "ganhar" ao obter a aprovação em medicina - sem ter a menor idéia do que medicina poderia representar na minha vida - esta "vitória" finita pode se tornar um completo desastre em um jogo infinito, que a vida que todos nós levamos.
A sua "inteligência" e o seu "sucesso" em um jogo finito podem se mostrar completamente inúteis em um jogo infinito.
O agravante aqui é que crianças, adolescentes e adultos jovens que prosperaram muito bem em jogos finitos - escola, vestibular e faculdade -, ao não se dar conta da mudança das regras anteriores e da eliminação da linha de chegada, passam a acreditar que o contentamento na vida adulta se dará da mesma forma que ele era obtido na escolinha, no coleginho ou na faculdadezinha, ou seja, com boas notas e os aplausos em torna delas.
NÃO VAI SER ASSIM pois o jogo sendo jogado NÃO É MAIS O MESMO.
As regras mudaram ou, até mesmo, deixaram de existir.
Se você, assim como eu, conseguiu algum sucesso em um jogo completamente previsível de "achar a resposta correta dentre as cinco alternativas abaixo" isto em NADA, ou muito pouco, vai lhe capacitar para achar as melhores respostas no longo horizonte de nossas vidas.
Quanto mais eu e você tentarmos ganhar seguindo regras que não existem ou buscar uma linha de chegada ilusória, mais confusão, ansiedade e descontentamento iremos colocar para dentro de nossas já complicadas vidinhas.
Muito interessante. Seguirei por aqui, aguardendo os proximos posts. Tudo que foi falado faz mt sentido pra mim. O jogo finito de “formar médico” é relativamente simples. É “só formar”. A vida depois de formado que é muito mais complexa (jogo infinito). Ou somos nós quem complicamos? Não sei. Acho que é complexa mesmo. Esperando meu livro chegar para aprofundar mais nisso (já encomendado)